Mato Grosso do Sul sempre foi um estado de altas temperaturas. O calor faz parte da nossa rotina há décadas, mas nunca de maneira tão extrema. Entre moradores mais antigos é unanimidade que algo está muito diferente no clima do Estado e a população tem sentido, na pele e no corpo. Conforme as temperaturas avançam, os impactos também são sentidos com maior intensidade.
“A gente nunca imaginou que um dia iria sentir um calor tão grande. A coisa está tão insuportável que já não dá para andar na rua. Nas casas, um ar-condicionado já não é luxo, virou necessidade”, comenta o analista de recursos humanos Fábio Diniz Oliveira, de 48 anos.
Nascido em Campo Grande, Fábio lembra de décadas passadas, onde o clima na Capital era mais ameno e confortável. “Era quente, mas acho que por conta das árvores o vento deixava mais tranquilo. Hoje nem as árvores estão ajudando, o suor vem na testa mesmo quando a gente está na sombra”, completa.
As lembranças do campo-grandense se confirmam em análises da ciência. Em 2023, Mato Grosso do Sul teve o ano mais quente em 30 anos. Conforme os dados do Cemtec (Centro de Monitoramento do Clima e do Tempo), desde 1994 a temperatura média anual para o Estado é de 24,5°C. Porém, no ano passado a temperatura média estadual foi de 25,7°C – mais de 1°C acima do habitual.
A 4ª reportagem da série especial sobre onda de calor do Jornal Midiamax explora os efeitos do calorão para a saúde humana. Confira as reportagens da série climática já publicadas: 1 ano das ondas de calor, ecoansiedade e calor e desigualdades sociais.
Com nova realidade instalada no Estado, os efeitos do ‘calorão’ se refletem não apenas na pele. Agora, moradores dos 79 municípios e os setores de saúde público e privado precisam lidar com o aumento de doenças relacionadas ao calor e com a lotação nas unidades de atendimento.
De acordo com o médico cardiologista Guilherme Bertão, as altas temperaturas podem ser consideradas fator de risco à saúde. “O calor extremo pode trazer prejuízos significativos para o coração e sistema cardiovascular, como aumento da frequência cardíaca, queda da pressão arterial e tendência a desidratação”, explica.
Segundo o especialista, em cenários de temperaturas muito elevadas o coração trabalha mais, esforço que pode ter como resultado a sobrecarga do sistema cardiovascular e descompensação de doenças prévias, como insuficiência cardíaca e arritmias.
“Os indivíduos mais suscetíveis a essas manifestações são aqueles que já possuem alguma doença prévia ou os extremos de idades, como crianças e idosos”, acrescenta.
Além das complicações do coração e desidratação, as temperaturas elevadas ainda podem acarretar doenças na pele, como brotoejas e dermatite, e males respiratórios, como asma, bronquite e doença pulmonar obstrutiva crônica.
A avaliação do cardiologista se confirma no resultado de um estudo feito em parceria do PELD (Programa de Pesquisas Ecológicas de Longa Duração) Fogo Pantanal, USP (Universidade de São Paulo), LASA UFRJ (Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais da Universidade Federal do Rio de Janeiro) e ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade).
Conforme a pesquisa, que avaliou o número de internações entre 2003 e 2019, o número de idosos internados triplica durante períodos mais quentes e mais secos do ano. No caso das crianças, a taxa de incidência de internações é quatro vezes maior.
A análise aponta ainda aumento de 26% a 34% nas internações hospitalares por doenças respiratórias como asma, bronquite ou infecções respiratórias. A maioria dos pacientes são crianças menores de 5 anos e idosos maiores de 60.
Além dos termômetros em alta, a baixa umidade do ar e a formação de fumaça, provocada por incêndios florestais em todo o País, são agravantes para os impactos na saúde. Durante todo o ano, Mato Grosso do Sul se viu em meio a repetidos alertas de baixa umidade do ar e debaixo de densa camada de fumaça, vindas de queimadas no Pantanal e da região amazônica.
Com a combinação, o setor de saúde sentiu. No início de setembro, a Prefeitura de Campo Grande emitiu Plano de Contingência em razão das repetidas ondas de calor. Em 254 páginas, o documento lista orientações para que moradores se previnam e reduzam os efeitos negativos do calor intenso. Além disso, são pontuadas diretrizes para o atendimento nas unidades de saúde.
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Na rede privada de Campo Grande, o ano também foi marcado por repetidos episódios de aumento exponencial de pacientes. Em abriu e junho, a alta na procura por atendimento médico fez a espera chegar a quatro horas.
Na rede pública, a Prefeitura decretou situação de emergência no dia 1° de maio. A justificativa foi a alta de casos de síndrome respiratória aguda grave e realidade de unidades de saúde lotadas.
“Em quantidade da SRAG (Síndrome Respiratória Aguda Grave), no ano passado foram 1.400. Esse ano são mil, porém o tempo de internação desses nossos pacientes está chegando de 10 a 15 dias. O que significa que não há um giro de leito. O paciente interna e a gente não consegue colocar outro”, explicou a secretária municipal de saúde, Rosana Leite, durante coletiva que anunciou o decreto de emergência.
Em Corumbá, cidade mais afetada pela fumaça dos incêndios florestais, a Secretaria Municipal de Saúde viu saltar a procura no Pronto Socorro e na UPA (Unidade de Pronto Atendimento) da cidade. Para se ter uma ideia, os nove meses de 2024 superaram o total de atendimentos de todo o ano de 2023.
Segundo a gerente de Vigilância em Saúde, Luciana Ambrósio, nos últimos 120 dias 2 mil moradores procuraram atendimento nas unidades. A maioria, vítima da fumaça das queimadas que se instalaram na cidade. “Houve um impacto especialmente no Pronto Socorro. Entre os sintomas, basicamente pessoas com tosse, dificuldade para respirar e dor na garganta”, afirma.
Segundo ela, a média de atendimentos diária tem girado em torno de 200 atendimentos diários. “Nós elaboramos um alerta de calor e baixa qualidade do ar para todas as unidades de saúde e para a população”, finaliza.
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